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Liliane Brito

India - Terra Sagrada


India – Um olhar amoroso

É difícil amar a Índia. O amor pode ser aniquilado ao primeiro contato, que é capaz de fazer com que as malas sejam refeitas e seja retomado o caminho de volta. Pode ser confundido com o exotismo e com o pitoresco. Exige muitas viagens e uma atitude bastante estranha feita de candura, que é propícia a surpresa e de um ceticismo crítico e constantemente questiona o objeto do amor, o denigre, o detesta.

A Índia não é um país charmoso, a começar pelas paisagens. Com exceção do Norte, onde a proximidade com o Himalaia,... perturba os olhos, o resto parece acima de tudo monótono...

A paisagem logo é esquecida por causa da presença humana que tanto sem empoe em todos os lugares. Quem não gosta dos homens não deve ir a Índia. A multidão é aqui a principal paisagem. Ela é o ator de todas as coisas. Sem dúvida é por isto que na literatura indiana de todos os tempos os personagens são frequentemente atraídos para o exílio e a solidão, a renúncia, a partida pelo esgotamento causado pela multidão.

Que não vá a Índia para não ir à parte alguma. Que aceite a multidão, que se misture com ela, que nela se perca. Primeira condição do amor: o contato

Outra atitude, mais delicada, consiste em esquecer por alguns dias, nossa crença, profundamente estabelecida, na racionalidade do mundo. Se nos faltar ingenuidade, se esquecermos de ver e ouvir, se quisermos tudo explicar e compreender, trazer todo o espetáculo para nossa lógica, compará-lo,avaliá-lo, ficaremos rapidamente desgarrados, decepcionados, até exasperados. A Índia observa a si mesma, analisa a si mesma (o que chega ser um dos exercícios favoritos dos indianos) mas ela não explica a si mesma. Se reunirmos todos os dados concebíveis (territórios,população, línguas, religião, economias o modo de vida) se os estudarmos de acordo com os nossos métodos, o mais seriamente em imparcialmente possível, só podemos chegar a uma conclusão implacável: A Índia não existe.

Um conjunto como este não pode funcionar. Ele é incoerente. Engloba tantos níveis sociais, tantas complexidades mentais, tantas regras públicas e secretas, tantas realidades imaginárias, tanto passado, tanto presente, que uma coesão geral dependeria de um milagre cósmico.

Contudo este é o caso. A Índia existe e funciona .Sob certos pontos de vista, funciona até melhor que estados que se dizem histórica e linguísticamente mais sólidos. o disparate indiano talvez tenha criado mas exatamente um povo do que este ou aquele nacionalismo. Aqui a pluralidade parece ser cimento. é a diferença que reúne. E é a ilusão que é real.

Portanto a primeira surpresa é esta: uma quimera em exercício.A isso soma-se, como percebem todos os visitantes, uma viagem física no tempo, um transporte imediato para as luzes e os aromas de outra época. nenhum esforço é exigido aqui: basta se deixar levar, deslizar pela passagem temporal que está entreaberta para qualquer um em todos os lugares.

O passado não é o passado.Aqui, ele é apenas uma das formas do presente, que o assimila e o prolonga....

A India reivindica cinco milênios de existência aos quais se refere constantemente.

Um das frases mais indianas que conheço “ Desde sempre vivemos hoje”. Cinco milênios de instantes.

È preciso algum tempo para aprender essa particularidade profunda e para ama-la, porque aquilo que acreditamos reter, aqui mais do que em outro lugar de repente nos escapa e nos desconcerta. Falarei muitas vezes deste sentimento que pode ir do assombro à decepção. Temos o hábito de proceder por comparações, de remeter tudo a nós mesmos. Ora a India é um território sem outra referência além dela mesma... Ela considera com olhar muito diferente do nosso, nenhuma época eliminou a anterior. Elas integram-se umas as outras. A India tem o tempo.O séculos não se excluem, eles se acumulam.

Se amamos mais o tempo do que o espaço, o contato mais que a solidão, é preciso aproveitar esta possibilidade. Na Índia, há uma relação entre o homem e o mundo que está ameaçada, e talvez desapareça. Não posso afirmar que ela é melhor do que outras, mas ela é autônoma, minuciosa, rara. Se ainda nos resta uma oportunidade de mudar completamente de ares e hábitos, ela deve ser aproveitada na Índia .

Esta coexistência, no seio da vida indiana, do passado do presente, da crença da ciência, do eterno e do passageiro, além do charme é ás vezes da fascinação que aqui encontramos, nos garante a possibilidade (se assim quisermos) de observarmos a nós mesmos, neste ou naquele momento de nossa própria história.

Estrangeiros e, no entanto, em casa.

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